Perspectiva apresentada em "Zero Hora Debates"
Considero a regulamentação do comércio de drogas a medida mais adequada para se combater o tráfico. É preciso ter em mente que o tráfico de drogas gera danos sociais muito maiores do que os gerados pelo consumo das substâncias proibidas. Estudos antropológicos confirmam que ao longo de sua história a humanidade sempre fez uso de substâncias psicotrópicas, de modo que sonhar com uma sociedade que não faça uso de drogas é a mais descabida das utopias. Isto posto, trata-se de encontrar meios de se reduzir danos e não simplesmente tentar forçar a realidade a se enquadrar em ideais de existência sem drogas. Mesmo porque, se assim for, deve-se proibir também o álcool e o cigarro, as drogas que mais problemas causam atualmente. Psicoativo por psicoativo, inúmeras drogas farmacêuticas, além do café, do chocolate e do chimarrão também o são. As pessoas precisam perceber que a proibição de algumas substâncias é arbitrária, constituindo a causa da maior parte dos danos que geralmente são atribuídos ao uso das drogas. Além do mais, a proibição favorece práticas como lavagem de dinheiro e corrupção policial e judiciária. Todos os argumentos em favor da proibição estão mais baseados em preconceitos e estigmas do que em estudos sérios. O tráfico já se constituiu, devido ao dinheiro que movimenta, numa carreira atraente para milhares de jovens desesperançados. Manter o monopólio desse comércio é tudo o que as quadrilhas e os gerentes de colarinho branco desejam, no que se aproveitam da ignorância da sociedade acerca desse assunto para atingir seus fins. Não faz sentido gastar fortunas em uma inútil repressão, onde uma boca de fumo fechada é logo substituída por outra. É absurdo que o dinheiro dos contribuintes se esvaia dessa forma sem que os índices de consumo de drogas diminuam e com o aumento constante da violência. O que se vê são décadas de proibicionismo e repressão fracassada, quando o dinheiro público poderia ser muito melhor empregado na elaboração de programas eficientes de tratamento àqueles que de fato são dependentes químicos (uma parcela reduzida dentre o universo dos usuários). A mídia e a sociedade precisam parar de fazer o jogo dos traficantes e se dar conta, finalmente, que não se trata mais de condenação moral ao uso de drogas, mas de aceitação de um comportamento essencialmente humano. Ou é isso, ou o que veremos será, cada vez mais, a barbárie: desnutridos de AR-15 impondo o terror, financiados pelo favor do Estado que lhes concede o monopólio na exploração de vasto mercado consumidor.
É preciso, no entanto, que se elabore com cuidado e com conhecimento de causa o modelo de gestão desse comércio, tendo em vista não a sociedade perfeita dos nossos sonhos, mas uma sociedade real e possível de se construir.