Sunday, July 17, 2005

o artigo que a zh não quis publicar


Maconha sem estigma

Em contraponto ao artigo "Boaconha", do psiquiatra Sérgio de Paula Ramos (ZH – 12/06/2005), seria conveniente que, em vez da condenação moral dos usuários de maconha, se refletisse sobre a falta de critérios na determinação do caráter legal ou ilegal dos psicotrópicos. Estes acabam enquadrados conforme interesses políticos e econômicos, sem priorizar a redução de danos à população. Aliás, em vários países desenvolvidos, políticas de drogas têm sido abrandadas devido ao reconhecimento de que a proibição do uso causa mais danos sociais do que o próprio uso.

Desconhece-se os usos terapêuticos da maconha e os usos positivos que outras sociedades souberam fazer dela, evitando os problemas sociais existentes entre nós. Aqui, o sujeito, estigmatizado por usar a planta, sofre condenação moral e é tratado como um doente ou até como um criminoso, pois há grande desproporção entre os reais malefícios causados pela substância e a legislação que a regulamenta.

A política de drogas vigente agrava desigualdades sociais ao ignorar que o tráfico surge, muitas vezes, como a única opção de jovens em situação de pobreza. Ao adotar tal política, Estado e sociedade deixam de reconhecer sua parcela de responsabilidade e, pior, expiam-na sobre o negro pobre do morro.

Só fala na maconha como porta de entrada para drogas mais fortes, quem desconhece estudos sobre a terapia de substituição, que faz a troca do crack pela cannabis. Os resultados têm sido animadores, ao contrário dos obtidos pelos métodos tradicionais, baseados em internação, exigência de abstinência total e medicação. Assim, a maconha pode ser porta de saída do uso de drogas pesadas.

É um absurdo atribuir-se a uma planta responsabilidades por nossos erros políticos, preconceitos e inaptidão em construir políticas públicas e práticas sociais inclusivas. Não se trata de incentivar o uso da maconha nem de ignorar prejuízos que podem advir do seu abuso, mas de ressaltar equívocos do tratamento dado a essa questão (confirmados pelo aumento dos índices de consumo de drogas e da violência urbana que decorre da sua proibição). Assim, não é com abordagens maniqueístas ("boa-conha" ou "má-conha") que se produz soluções, mas através de políticas que regulamentem a produção, venda e consumo da maconha, retirando-a da ilegalidade, onde gera uma série de danos sociais, e trazendo-a para onde o Estado (e não o narcotráfico) possa geri-la.

Tiago Ribeiro, membro do movimento Princípio Ativo – por uma nova política de drogas (principioativo.rs@gmail.com)

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